Somente por um dia
- Maro Klein
- 21 de nov. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de fev. de 2024

Recentemente uma famosa cientista comentou: há algo de errado com quem não estiver deprimido em 2023. Provavelmente a pessoa está alienada da realidade. No nosso confuso mundo pós pandemia, em que a crise ambiental começa a se apresentar a olhos vistos, crises econômicas e novas guerras eclodem, e a tecnologia invade nossas vidas por todas as frestas possíveis, com bombardeios diários de informação, saúde mental virou de fato um artigo de luxo. Estatísticas não faltam para comprovar isso.
Eu, do alto da minha ignorância, tenho propriedade para falar sobre o assunto, pois desde a pandemia tenho flertado com um possível Burnout. Outro dia comentei na terapia que sentia certa culpa, preocupação, por assumir cargos de liderança tendo uma mente que vive na corda bamba. Não seria a saúde mental um requisito básico de um líder? Provavelmente é, mas talvez tenhamos que rever, senão não vai sobrar ninguém para liderar. Talvez uma inteligência artificial (completamente despida de qualquer emoção) venha nos salvar? Espero que não. Por ora, vida que segue.
As organizações são por si só consideráveis culpadas desse estado das coisas. Esta semana, uma amiga comentava sobre o workshop promovido por sua empresa, uma grande multinacional. O workshop tratava de inovação e tecnologias ultra arrojadas. Iniciava cedo da manhã e avançava noite adentro. O evento acontecia em uma casa de festas e tinha redbull liberado. Redbull liberado. Isso ficou ecoando na minha cabeça. Sob o véu perverso de “benefícios” como planos de “desenvolvimento”, festas, buffets e viagens, os dragões corporativos vão exalando fogo e consumindo a nossa energia, e muitos ainda se iludem que essa é a nova era da gestão de pessoas: siga seu propósito, mesmo que esse propósito custe a sua sanidade. Muita literatura de aeroporto por aí ensina às pessoas a sutil arte de se auto escravizar. Nem precisa que líderes perturbados façam isso.
Fora dos muros corporativos, todos também sofremos pressão por uma vida instagramável. E muitos subterfúgios de autocuidado que duram algumas horas encobrem o cansaço de anos de stress crônico. Há pressões sutis para tudo: para sermos profissionais perfeitos, pais perfeitos, parceiros perfeitos, viajantes perfeitos, cidadãos planetários perfeitos. Sem esquecer de fazer o skincare, talvez uma desarmonização facial?
Mas como fugir disso? Não seria o direito de jogar a toalha um direito humano universal? Quais são as alternativas para fugir da corrida de ratos pós pandêmicos? Ir morar na praia e viver de arte? Entrar para uma seita que abdica dos bens materiais? Apelar para nossos fornecedores de drogas legalizadas (mais conhecidos como psiquiatras)? Fingir demência?
Cada um de nós busca saída a seu próprio modo. Eu costumo dizer que todo ser humano tem um vício, cabe decidir qual deles usar como tábua de salvação. Para uns é se afundar no trabalho, para outros, comer ou beber demais, ainda dá para virar evangelista de crossfit, pedal ou corrida, maratonar doramas na Netflix, estudar demais, virar um fanático religioso, as opções são infinitas. Há! Também dá para conseguir um pouco de dopamina barata com o vício mais letal de todos: se apaixonar pela pessoa errada. Enfim, cada um de nós que lute!
Pessoalmente, tenho feito um esforço consciente para tentar simplificar um pouco as coisas, embora tenha verificado que isso é um pouco complexo. Mas uma das grandes vantagens de envelhecer é conseguir ver as coisas em perspectiva. Tendo crescido em um mundo sem Internet, e passado boa parte da infância em um lugar onde sequer havia energia elétrica, sei que o bem-estar e a felicidade estão nas coisas mais simples, principalmente, na natureza. É clichê, mas acho que é verdade. Nós é que complicamos.
Olhar um pôr de sol magenta. Outro dia li que pesquisas indicam que nossos olhos foram feitos para olhar o pôr do sol. Achei verdadeiro e poético. E sim, dá para achar poesia mesmo nas paisagens mais feias e mesmo no meio do caos. É um jogo mental que faço diariamente. Em qualquer lugar que eu esteja, brinco de “ache a beleza”. E quase sempre acho, mesmo quando tudo parece estar desmoronando ao redor.
Acordar mais tarde. Fazer um bom feijão. Dar uma caminhada, mas sem pressa. Tomar um chá ou comer num pote de sorvete, sozinha, ou de preferência, dividindo com duas amigas. Rir de si mesmo. Se atirar no sofá, se der vontade, ler um livro. Dar um bom abraço.
Dá vontade de jogar a toalha? Dá, muita! Mas com um pouquinho de sensibilidade, dá para observar que todos ao redor também estão dando a sua cota de sacrifício. Sim, não tá fácil pra ninguém. Da pessoa que nos atende no caixa do supermercado, ao porteiro que vela pela nossa segurança, à chefe exigente, ao gerente de banco ou a um profissional de saúde que tenta nos aliviar a barra, estamos todos ali, resistindo como podemos. Servindo uns aos outros, nem que seja só um pouco (alguns, por exemplo, estão ali para aprimorar a nossa paciência, mas já tá valendo!), e cada um do seu jeito. Isso pode ajudar muito a seguir em frente. Perceber sim, que não estamos sozinhos nessa.
Na verdade - mas aí poderíamos entrar em um papo muito mais transcendental e profundo, e isso exigiria uma boa garrafa de vinho - somos uma coisa só. Então, às vezes, mesmo que a sua vida esteja num baixo, dá para buscar alegria na alegria dos outros. Eu por exemplo, amo olhar os bebês que vão pela primeira vez para a beira da praia; não tem como não se empolgar junto com eles. Mas não precisa ser na praia, pode ser vendo-os brincar com a areia escorrendo pelos dedos na pracinha. É uma das coisas que me deixa feliz. Um cachorro correndo solto no parque (se for um caramelo, melhor ainda!). Ou ver um casal se beijando pegado ali na esquina. Bravo!
Então, vamos para aquela respirada a fundo. Se teve uma coisa que a pandemia ensinou, foi viver um dia de cada vez. Tem dias que a gente vive uma hora de cada vez, mas tá valendo também. Vamos fazer como Bowie dizia, nós podemos ser heróis somente por um dia. Hoje, ainda não vamos jogar a toalha. Hoje não. Não, não no nosso plantão. Nós vamos seguir. Amanhã? Amanhã a gente vê.
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