O poder de um professor ou... Um café em Paris
- Maro Klein
- 15 de fev. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de fev. de 2024

Ela se chamava Carmem. Era minha professora lá no 2º. ano do (antigo) 2º. Grau. Tinha cabelos crespos e vermelhos e uma personalidade e tudo mais que combinava com o nome. Era muito bonita e destoava completamente da maioria das mulheres da minha cidade – que ficava mais ou menos longe de tudo, ainda mais lá nos anos 80, quando jamais tínhamos ouvido falar de coisas como redes mundiais de computadores.
Era minha professora de português e literatura. Suas aulas eram fantásticas. Falava em escritores, nomes e mundos até então desconhecidos. Flaubert ou algo assim. Contos intensos.
Usava sempre umas echarpes esvoaçantes, enfim, ela tinha todos os elementos daquelas mulheres que viram a cabeça de qualquer um, e ela virou a minha também, de um jeito que provavelmente passou despercebido.
Não, antes que você pense, não se tratava de uma paixão por ela [nada contra] [embora ela tenha alimentado ainda mais em mim um amor pela literatura que jamais morreu] mas foi todo um mundo novo que se abriu para mim.
Devia ter sido em alguma manhã qualquer, mas um dia ela contou que sempre havia sonhado em conhecer Paris. De tanto ler literatura francesa, tinha um profundo amor platônico pela cidade. E sonhou que, quando chegasse lá, se sentaria calmamente em um café e ficaria vendo a vida passar. E aí ela falou: “eu fui, eu fiz isso”... E era só olhar para ela para saber o quanto havia sido maravilhoso...
É como se minha vida futura passasse em segundos toda embaralhada diante dos meus olhos, mesmo eu sendo tão ignorante e mesmo Paris sendo um sonho distante, para não dizer impossível, ainda mais naquela época, naquele lugar, e com a idade que eu tinha.
Mas alguma coisa mudou dentro de mim naquele instante, e eu pensei “bem, se ela conseguiu...”
E isso jamais me saiu da cabeça.
O mundo girou, e um dia, um outro professor (chamado Henrique, de novo, essas pessoas que mudam a vida da gente, para sempre, sempre tem um nome bem forte) cruzou o meu caminho. Mostrou portas e possibilidades jamais sonhadas. Mostrou que o mundo estava ali, bem mais perto do meu alcance do que eu imaginava.
E o filme da minha vidinha rodou e vários lugares vieram. E um dia eu também me sentei em um café em Paris. Saboreei cada gole, vi a vida passar, e claro me lembrei muito da professora Carmem, e do professor Henrique e de várias outras pessoas que ajudaram a aumentar a extensão do meu mundo. E celebrei a vida e a boa, a melhor educação que poderiam ter me dado.
Hoje me encontro no limbo para mais uma viagem longa. Vésperas de viagem sempre dão uma sensação estranha. Ainda não estamos lá, mas já não estamos mais aqui. A cabeça da gente acaba sempre indo antes do corpo.
É um misto de ansiedade com empolgação e sempre aquela certeza de que é necessário se despedir um pouco de si mesmo, pois é certo que quando voltarmos já não seremos mais os mesmos (graças a Deus).
Mas é fundamental baixar a cabeça e deixar que a roda gire e que o mundo ensine, com humildade, diante da força infinita e que sempre nos leva para mais adiante, para algum lugar onde a gente possa ser melhor, e, com sorte, levar algo bom também para quem encontrar pelo caminho.
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