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Quanta coragem é preciso para se ser humana?

  • Foto do escritor: Maro Klein
    Maro Klein
  • 21 de nov. de 2023
  • 3 min de leitura

Atualizado: 15 de fev. de 2024




Esta semana, durante a aula de formação de escritores, uma colega (que escreve muito bem) leu uma crônica de sua autoria, sobre a história de uma mulher que conheceu, chamada Yolanda. Se encontraram em um espaço de fisioterapia, e ela nos contou a respeito das dores do corpo e da alma daquela mulher. Uma mulher mergulhada na perda, na dor e na saudade do marido e da filha que amava e que haviam falecido há alguns anos.


Vivia uma vida de resistência e de sofrimento autoimposto por se sentir culpada em ainda existir, sendo que as pessoas que amava, não mais, Dona Yolanda se entregava às árduas tarefas de ainda se manter respirando, se movimentando, apesar das intensas dores, e entregue às suas próprias comiserações.


O texto retratava com perfeição a dor dessa pessoa, e me comoveu até a alma. Não tivesse sido descrita com tanta empatia e respeito, poderíamos entender que Dona Yolanda seria supostamente uma mulher infeliz e amarga que desistiu da vida, não teve coragem suficiente para superar suas perdas.


Mas a história dessa pessoa, e a forma como ela foi tão lindamente escrita, me fez refletir sobre quanta coragem é preciso para escolher se sentar no fundo do poço, e manter a decisão de lá permanecer. O senso comum e milhares de livros de autoajuda e psicologia positiva poderiam facilmente apontar Dona Yolanda como uma pessoa que sucumbiu, que fracassou.


Mas fiquei pensando: quanta coragem é preciso para ser tão humana assim?


Quando pequena, fui criada em uma família católica-apostólica-romana. Recebi muita carga de moralismo e culpa, todo combo que vem de praxe (é tipo o Big Mac) sobre o que fazer e o que não fazer, quem merece ir para o céu e quem não.


Mas, de todas as passagens que ouvi e li sobre a Bíblia, algumas em especial mantiveram a minha fé, apesar de toda a pregação religiosa. Os católicos e religiosos de plantão que me desculpem, pois provavelmente haverá imprecisões aqui, mas são lembranças que remontam minha catequese, ou seja, algo que aconteceu muitas décadas atrás.


As partes que me fascinavam na Bíblia eram os trechos em que Jesus Cristo era retratado como um ser humano. Lembro dos episódios em que queria expulsar mercadores do templo, em que sentia raiva e xingava a galera. Ou o episódio no Monte das Oliveiras, onde sabia o que aconteceria e pediu para o pai afastar dele aquele cálice. Qual ser humano não faria o mesmo, vendo que o gato subiu no telhado?


Penso que só segui acreditando e tendo fé em um ser superior e criador (embora eu ache sinceramente que Deus é uma mulher), por conta desses exatos episódios. Puxa, se até o filho direto da divindade foi capaz de sentir um amplo leque de emoções, talvez nós não sejamos somente seres aleatórios flutuando no espaço em cima de uma rocha. Talvez tenhamos alguma salvação.


Os resquícios dessa fé me fizeram, mais tarde, no início da idade adulta, fluir para o espiritismo de forma quase natural e nele encontrei e encontro explicações, perspectivas e consolos. Ali achei mais espaço e acolhimento para a imperfeição, entendendo-a como um caminho de uma longa jornada de evolução.


Contudo, confesso que a rebeldia da menina de nove anos que ajoelhada admirava mesmo era aquele Cristo transgressor, sobreviveu. Por vezes, me chocam alguns discursos (de novo, humanos!), nos circuitos do espiritismo, e também em outras religiões, que pregam uma determinada elevação moral, ou um nivelamento de seres, quem é mais evoluído, ou quem não é.


Apesar disso, ou justamente por causa disso, fiquei pensando de novo: acho que consigo sentar no fundo do poço com a Dona Yolanda. É dureza mesmo! Viver não é fácil, acho que sobreviver à perda de quem se ama, deve ser uma dor maior do que a da morte.


Seguir vivendo, ainda que sem querer, é um ato de extrema coragem, talvez seja o maior de todos! Porque viver não é fácil, imagine como deve ser viver sem querer? No mínimo, heroico. Sim, Dona Yolanda, tamo junto! Eu poderia ser facilmente você. Especialmente para quem ama demais, isso é um risco com elevadas probabilidades.


Percebo agora talvez porque a história de Dona Yolanda tenha me comovido tanto. Eu te conheço de antes, Dona Yolanda. Você, eu, a minha colega, estamos todas no mesmo barco. Vivendo a vida, resistindo, ou desistindo, escrevendo, ou desafiando a morte. Estamos todas juntas e de alguma maneira interligadas, com tantas outras almas, sendo, simplesmente, humanas.


Deus (eu ainda acho que você é uma mulher), por favor, nos dê coragem.




 
 
 

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© 2023 by Maro Klein (amaroklein@gmail.com)

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